Perspetiva jurídica: quiet quitting e quiet firing

As tendências das redes sociais, quando de facto aplicadas, acarretam consequências para a nossa vida, por isso, é importante que tenhamos noção do significado e do impacto jurídico de cada uma.

Há algum tempo surgiu o termo quiet quitting (demissão silenciosa) referindo-se à atitude dos trabalhadores que param de exceder-se no trabalho e cumprem apenas os requisitos mínimos da função para poderem manter o emprego. Embora seja referido como uma tendência, há quem considere que o fenómeno sempre existiu, mas antigamente não tinha a projeção dada atualmente pelas redes sociais.

Em resposta a esta tendência, surgiu também o quiet firing (despedimento silencioso), sendo definido como a criação, por parte da hierarquia (ou do empregador, como um todo), de um ambiente tão hostil que o trabalhador se vê obrigado a rescindir o contrato de trabalho.

Qualquer um destes conceitos levanta questões relevantes para a esfera jurídica, tanto do trabalhador como do empregador, mormente num contexto de rápida evolução com a introdução das smart cities, onde é previsto que a digitalização dos setores flua na vida quotidiana com mais naturalidade, podendo fazer com que as tendências sejam, erradamente, vistas como um direito.

Este artigo, apesar de ser elaborado com base na lei angolana, também é aplicável, com as devidas adaptações, à lei portuguesa.

À partida, é fácil acreditar que o quiet quitting e o quiet firing têm o mesmo impacto, mudando apenas o ator, muito em razão da palavra “quiet” no início dos dois temos. Porém, é precisamente por causa do sujeito da ação que os dois termos são radicalmente diferentes, tanto na sua aplicação como nos efeitos que espoletam.

O quiet quitting pretende que o trabalhador não faça mais do que a obrigação estabelecida no contrato de trabalho, ou seja, ativa e deliberadamente não se esforça para fazer mais do que é devido. Em termos práticos, este seria um trabalhador que – apenas – cumpre com as suas responsabilidades, sendo isso considerado o suficiente para a manutenção da relação jurídico-laboral.

Por seu turno, o quiet firing é uma ação que parte do empregador, que intencionalmente cria um mau ambiente para o trabalhador.

Ora, enquanto o primeiro mantém a relação laboral sem a beliscar – pelo menos no que é legal e contratualmente estabelecido –, este último fere os deveres basilares do empregador, nomeadamente o de “i) tratar e respeitar o trabalhador como seu colaborador e ii) [a] promoção e manutenção de boas relações de trabalho e condições de harmonia e motivação no trabalho”. Fere também os direitos do trabalhador de “i) ser tratado com consideração e com respeito pela sua integridade e dignidade e ii) [de] ser-lhe garantida estabilidade do emprego e do trabalho e a exercer funções adequadas às suas aptidões e preparação profissional dentro do género do trabalho para que foi contratado”.

Ao não respeitar os deveres do empregador, nem os direitos do trabalhador, aquele fragiliza a relação jurídico-laboral e, consequentemente, a real motivação das suas ações pode ser posta em causa.

Isto porque, ao criar um ambiente hostil e, consequentemente, ao violar os direitos do trabalhador, permite que este possa rescindir o contrato de trabalho com justa causa respeitante ao empregador.

 Sendo isto considerado despedimento indireto.

Assim, na crença de que está a seguir uma tendência inócua, pode estar o empregador a dar abertura para uma rescisão com justa causa respeitante ao empregador, por parte do trabalhador, conferindo-lhe o direito a indemnização, calculada com base na indemnização por despedimento individual.

Por isso, apesar de ser uma tendência, nos moldes jurídicos o quiet firing não é uma opção viável, por acarretar riscos para o empregador, sendo sempre preferível uma rescisão por mútuo acordo ou outro instrumento que marque em definitivo o fim da relação jurídico-laboral, de modo a afastar o litígio como primeira opção.

Perante o objetivo global de desenvolvimento de smart cities, temos de ter em atenção que estas têm princípios basilares de justiça social que devem ser integrados na atuação dos empregadores e dos trabalhadores, com as devidas nuances de responsabilidade.

Os Insights aqui publicados reproduzem o trabalho desenvolvido para este efeito pelo respetivo autor, pelo que mantêm a língua original em que foram redigidos. A responsabilidade pelas opiniões expressas no artigo são exclusiva do seu autor pelo que a sua publicação não constitui uma aprovação por parte do WhatNext.Law ou das entidades afiliadas. Consulte os nossos Termos de Utilização para mais informação.

1 comentário

Elsa F. Gabriel 26/01/2023 - 19:56

Duas situações bastante comuns nos dias de hoje e no nosso contexto laboral. PARABÉNS ao Dr Igor por expor de forma tão clara e atribuir-lhe um cunho jurídico pois afinal tanto o empregador quanto o empregado quando lesados merecem recorrer aos instrumentos legais.

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