Co-Living – A necessidade de regulamentação legal

Quais são as lacunas regulamentares em matéria de co-living?

This article was written in co-authorship by Lisa Ventura Lopes, Managing Associate at Vieira de Almeida and Francisca Almeida Andrade, Intern at Vieira de Almeida.


Introdução:

Não sendo uma realidade nova, os modelos habitacionais que privilegiam a vivência em “comunidade”, fazendo coexistir espaços privados e espaços comuns, tiveram uma evolução muito significativa nos últimos anos. Na verdade, aquele que era um modelo tipicamente associado a uma necessidade financeira é hoje uma opção de vivência de muitos.

No entanto, a lei não acompanhou esta evolução – permanecendo muito focada nos modelos tradicionais de propriedade única vs propriedade horizontal – e existe, por isso, um conjunto de lacunas que importa identificar para que o legislador possa determinar onde (ou até onde) deve regular.

Neste artigo procuraremos identificar algumas dessa lacunas, desafiando quem nos lê para que nos acompanhe nesta reflexão e que deixe o seu contributo.

Enquadramento:

A partir da segunda metade do século XX, surgiram novos modelos de residência alterativos aos modelos tradicionais. Pense-se, por exemplo, no co-housing, nascido na Dinamarca, nos anos 70, focado na economia de recursos ou no desenvolvimento da vivência em comunidade, através da aproximação de pessoas, a quem cabe definir os princípios orientadores da vida comunitária. O co-housing caracteriza-se pela existência de casas privadas, cada uma destas habitada por uma família, mas também pela existência de espaços ou instalações comuns para realização de tarefas diárias ou destinadas a convívio, como lavandarias, salas, refeitório, ou pela existência de serviços partilhados entre os residentes, nomeadamente, serviços de transporte.

Mais recentemente, como consequência da alteração dos estilos de vida e de trabalho, notou-se uma afirmação progressiva do co-living, assente numa demarcação da ideia de propriedade e na lógica de economia partilhada. Ao contrário do que se possa ser levado a pensar, o co-living não se esgota nos grupos mais jovens ou nos chamados “nómadas digitais”, sendo uma tendência geral. A título de exemplo, são cada vez mais frequentes os projetos de unidades de co-living para seniores, bem como os projetos não vocacionados para idades específicas, que potenciam a reunião de pessoas com origens e idades mais díspares.

Em termos gerais, nas soluções de co-living, mediante a celebração de contratos atípicos, os residentes beneficiam, durante o tempo que determinarem e mediante o pagamento periódico de uma contraprestação, do uso de frações privadas, geralmente já equipadas e decoradas, bem como de zonas comuns, como cozinhas, salas de estar, ginásios, espaços de trabalho, e de serviços comuns, de limpeza e de manutenção, tendo ainda acesso a eventos comunitários.

É evidente a similitude entre este modelo e figuras mais tradicionais, como a propriedade horizontal, o arrendamento ou o alojamento turístico, mas há, sem dúvida, uma autonomia que não pode ser limitada pelo enquadramento legal desses modelos tradicionais.

No entanto, poucos foram os países que reconheceram relevância legal autónoma ao co-living, mas outros deram já os primeiros passos nesta regulação, salientando-se o Reino Unido, onde, através do London Plan 2021 Policy H16, foram definidas diretrizes e requisitos relativos à qualidade e funcionamento das unidades de co-living.

O facto de nos depararmos perante um vazio legal não tem impedido a vontade dos agentes económicos de avançar com estes modelos, mas sem dúvida que a incerteza e insegurança podem, no limite, representar um entrave num sector que poderia ser um catalisador da economia.

Co-living – algumas situações sem resposta direta na lei:

A. O uso / utilização dos espaços

(i) Qualificação do solo

Compete aos instrumentos de gestão territorial definir a qualificação do solo – i.e., o aproveitamento dos terrenos em função da atividade dominante que neles possa ser efetuada ou desenvolvida –considerando as necessidades sociais e culturais da população e as perspetivas de evolução económica e social.

No caso do co-living, não existem diretrizes claras sobre o seu enquadramento nas diversas qualificações possíveis: será enquadrável nos espaços destinados a habitação, a atividades económicas ou a equipamento?

Enquanto esta apreciação for feita casuisticamente, Município a Município, não será possível antecipar com segurança a viabilidade de promoção de um projeto de co-living em face dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis.

(ii) Utilização do edifício

A utilização de cada edifício deve estar titulada na respetiva autorização de utilização, que define as tipologias de uso que enquadram as atividades que são ou podem ser desenvolvidas no edifício, tais como habitação, comércio ou serviços.

Também neste domínio não existem diretrizes claras: será enquadrável numa utilização de habitação ou de serviços?

Uma vez mais, enquanto esta apreciação for feita casuisticamente, Município a Município, não será possível antecipar com segurança a viabilidade de desenvolvimento de um projeto de co-living em edifícios existentes em face da autorização de utilização aplicável.

(iii) Finalidade prevista no título constitutivo da propriedade horizontal

Nos casos em que uma residência de co-living seja instalada em parte de um imóvel submetido ao regime da propriedade horizontal haverá ainda que sindicar a viabilidade de desenvolvimento desta atividade à luz do uso atribuído às frações no título constitutivo da propriedade horizontal.

Atendendo a que, nos termos da lei, os condóminos podem impedir o desenvolvimento de atividades em contradição com o uso previsto no título constitutivo, era essencial ter diretrizes sobre o enquadramento do co-living nos usos previstos no título constitutivo da propriedade horizontal.

Relembre-se, a este propósito, o número avultado de litígios decididos (até em sentido contraditório) nos tribunais portugueses acerca deste tema aquando do surgimento do alojamento local, cuja resolução passou, precisamente, pela revisão da legislação aplicável nesta matéria.

B. A (des)proteção dos residentes

O direito à habitação foi recentemente considerado pelo Governo como o “Primeiro Direito”. Sob este mote, a legislação do arrendamento urbano confere uma proteção muito relevante aos arrendatários, nomeadamente restringindo a possibilidade de cessação do contrato pelo senhorio e regulando matérias de gestão contratual como a atualização das rendas e a responsabilidade por obras.

Do mesmo modo, a legislação turística procura assegurar a posição dos proprietários de frações inseridas em empreendimentos turísticos, nomeadamente estabelecendo a obrigatoriedade de identificação clara no título constitutivo do empreendimento turístico (i) das instalações e equipamentos do empreendimento e dos serviços de utilização comum, (ii) do critério de fixação e atualização da prestação periódica e da percentagem desta que se destina a remunerar a entidade responsável pela administração do empreendimento, bem como a enumeração dos encargos cobertos por tal prestação periódica e (iii) dos deveres da entidade responsável pela administração do empreendimento, nomeadamente em matéria de conservação do empreendimento.

Conclusão:

Parece-nos que existem dois níveis de possível intervenção legal em matéria de co-living.

Um primeiro nível, em matéria de planeamento e ordenamento do território.

Para se evitar a dispersão de residências de co-living em zonas das cidades para as quais se programaram outros usos, poderia ser importante definir (i) a qualificação do solo e (ii) a utilização de edifícios compatíveis com modelos residenciais de co-living (em geral e nos condomínios em particular).

Um segundo nível, em matéria de gestão contratual.

Sendo o co-living um modelo residencial, poderia ser importante assegurar um grau de proteção satisfatório do residente, em aspetos essenciais da relação contratual como sejam a revisão da remuneração / encargos, os deveres da entidade prestadora e a duração dos contratos. Não se quer com esta intervenção sugerir uma aproximação ao regime do arrendamento urbano – totalmente desadequado a estes modelos flexíveis – nem ao regime dos empreendimentos turísticos – com objetivos distintos dos que estão aqui em causa. Sugere-se, ao invés, uma regulação minimalista, mantendo, sempre que possível, a flexibilidade da autonomia privada que caracteriza estes modelos.

Sendo um domínio novo, parece-nos aconselhável que se comece pelo princípio, refletindo no primeiro nível acima indicado e nas potenciais regras para a instalação da atividade que poderiam ser definidas para segurança do sector.

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