NFTs – O bom, o mau e o ponto de interrogação

Breve análise dos in and outs do enquadramento jurídico dos criptoativos em geral e dos NFTs em particular, no âmbito da proposta do MiCA – o que reserva o futuro?

Este artigo foi escrito em co-autoria por Pedro da Palma Gonçalves, Henrique Ferreirinha Batista, Associados na Vieira de Almeida e Rita Paraíso, Estagiária na Vieira de Almeida.


Corria o ano de 1848, quando foram descobertos impressionantes jazigos de ouro na serração Sutter’s Mill, na Califórnia, dando início à era que viria a ser conhecida como a “Corrida do ouro na Califórnia”. Em sentido paralelo, vimos assistindo nos últimos anos a uma verdadeira “corrida do cripto-ouro”.

A esta ascensão estratosférica dos criptoativos cedo se associaram incontornáveis desafios legais e regulatórios. Esta matéria tem sido objeto de intensa discussão a nível internacional e, em especial, no seio das instituições europeias.

A este respeito, no dia 24 de setembro de 2020 a Comissão Europeia divulgou a sua Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, sobre uma Estratégia em matéria de Financiamento Digital para a União Europeia, no âmbito do Digital Finance Package e em linha com o Plano de Ação da Comissão sobre FinTech, na qual identificou quatro prioridades para a transformação digital do setor financeiro da União Europeia (UE):

Combater a fragmentação do mercado único digital de serviços financeiros, de molde a facultar aos consumidores europeus o acesso aos serviços transfronteiras e ajudar as empresas financeiras europeias a incrementarem as suas operações digitais;

– Assegurar que o quadro regulamentar da UE facilita a inovação digital no interesse dos consumidores e da eficiência do mercado;

– Criar um espaço europeu de dados financeiros para promover a inovação baseada em dados, assente na estratégia europeia, incluindo um melhor acesso aos dados e uma maior partilha dos mesmos no setor financeiro; e

– Enfrentar os novos desafios e riscos associados à transformação digital.

No contexto da prioridade 2. identificada acima, a Comissão apresentou nesse mesmo dia a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos mercados de criptoativos (“MiCA”, de “Markets in Crypto-Assets), que clarifica a aplicação das atuais regras da UE aos criptoativos, introduz um regime piloto para os criptoativos que já sejam abrangidos por essas regras e estabelece um novo quadro jurídico da UE para os criptoativos ainda não abrangidos, tendo por base definições dos diferentes tipos de criptoativos.

De acordo com a proposta apresentada pela Comissão, o MiCA tem quatro objetivos:

1. Segurança jurídica, traduzida na existência de um quadro jurídico sólido e que define claramente o tratamento regulamentar de todos os criptoativos não abrangidos pela atual legislação em matéria de serviços financeiros;

2. Apoio à inovação, destinada a promover o desenvolvimento dos criptoativos e uma utilização generalizada;

3. Integridade do mercado, através da criação de normas destinadas a proteger os consumidores e investidores; e

4. Assegurar a estabilidade financeira.

Encontramos na proposta uma definição de “criptoativo” no artigo 3.º, n.º 1, 2.º parágrafo do MiCA: “representação digital de valor ou de direitos que pode ser transferida e armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outra tecnologia semelhante.” Nota para o facto de a versão oficial portuguesa do MiCA traduzir “token” como “criptoficha”.

Conforme se notará, estamos perante uma definição sensivelmente ampla – isto é, apta a englobar uma grande latitude de diferentes realidades. Contudo, a verdade é que logo no artigo 2.º, n.º 3 do MiCA diversos criptoativos relevantes encontram-se excluídos, em particular:

1. Investment/Equity Tokens já definidos como instrumentos financeiros nos termos da Diretiva relativa aos Mercados e Instrumentos Financeiros II, cuja classificação como “valor mobiliário” ou “instrumento financeiro” é geralmente aceite; e

2. Criptoativos já definidos como moeda eletrónica nos termos da Diretiva da Moeda Eletrónica, salvo se equiparados a criptoativos de moeda eletrónica nos termos do MiCA.

A delimitação negativa levada a cabo pelo MiCA é sintomática da anunciada amplitude do conceito de “criptoativo”. Esta opção do legislador europeu abre as portas para o intérprete teorizar sobre o conjunto de categorias de criptoativos reguladas pelo MiCA.

Neste contexto, o âmbito objetivo do MiCA, sem prejuízo da articulação com a Diretiva da Moeda Eletrónica, avança com uma regulação de duas das principais categorias funcionais de criptoativos: stablecoins e tokens de utilização.

No artigo 3.º, n.º 1, 3.º a 5.º parágrafos do MiCA, encontramos estabelecidas as três categorias fundamentais de criptoativos regulados pela proposta de Regulamento:

1. Criptofichas referenciadas a ativos (asset-referenced tokens) – criptoativos que procuram manter um valor estável por referência ao valor de várias moedas fiduciárias com curso legal, uma ou várias mercadorias ou um ou vários criptoativos, ou a uma combinação desses tipos de ativos (a maior moeda digital, indexada ao dólar dos EUA é a tether; outro exemplo é a atual diem, a antiga libra do Facebook);

2. Criptofichas de moeda eletrónica (e-money tokens) – criptoativos cujo objetivo principal é serem utilizados como meio de troca e que procuram manter um valor estável por referência ao valor de uma moeda com curso legal; e

3. Criptofichas de consumo (utility token) – criptoativos destinados a fornecer acesso digital a um bem ou serviço, disponível através de uma tecnologia de registo distribuído (“DLT”), e aceite apenas pelo emitente dessa criptoficha (um exemplo de utility token é a criptomoeda Filecoin, que confere ao seu titular o direito de utilização de um espaço virtual de armazenamento de dados).

As criptofichas referenciadas a ativos e as criptofichas de moeda eletrónica corresponderão ao que tem sido designado por stablecoins, por fazerem referência a um ou mais ativos “reais” subjacentes ou standards transacionais (como moedas com curso legal, matérias‑primas ou outros). Já as criptofichas de consumo inserem-se no que tem sido entendido como tokens de utilização.

Por tudo isso, é bom notar que o legislador europeu enfim dedica um quadro normativo e abrangente para a regulação destas realidades emergentes.

Contudo, a delimitação da esfera de criptoativos abrangidos pelo MiCA não se limita à análise do artigo 2.º e do artigo 3.º, pelo que corremos o risco de nos equivocarmos ao congratular de imediato o trabalho do legislador europeu na regulação dos criptoativos se não “mergulharmos” um pouco mais fundo na nossa análise. De facto, também o artigo 4.º marca de forma indelével o escopo deste diploma.

O artigo 2.º, n.º 2a. do MiCA, em articulação com o artigo 4.º, n.º 1, ao estabelecer que os emissores de criptoativos “únicos e não fungíveis com outros criptoativosnão necessitam de publicar ou registar um white paper (uma espécie de “prospeto” do criptoativo), parece expressamente afastar o dever de publicitar os “termos e condições” da disponibilização ao público de non-fungible tokens (“NFTs”).

Julgamos que esta exclusão em concreto tem razão de ser, dado que um white paper, conforme estruturado no artigo 5.º do MiCA, não parece efetivamente concebido para a realidade dos NFTs.

Dificilmente se compreenderia os termos em que a disponibilização de NFTs seria compaginável com a publicação de um white paper, que deverá conter, inter alia, uma descrição detalhada do emitente, uma apresentação dos principais participantes envolvidos na conceção e no desenvolvimento do projeto, uma descrição circunstanciada do projeto do emitente, do tipo de criptoativo a oferecer ao público ou cuja admissão à negociação é solicitada, das razões subjacentes à oferta dos criptoativos ao público ou ao pedido de admissão à negociação e da utilização prevista da moeda fiduciária ou outros criptoativos obtidos por meio da oferta pública, uma descrição circunstanciada das características da oferta pública, nomeadamente o número de criptoativos a emitir ou para os quais se pretende a admissão à negociação, o preço de emissão dos criptoativos e os termos e condições de subscrição, uma descrição circunstanciada dos riscos relativos ao emitente dos criptoativos, aos criptoativos, à oferta pública dos criptoativos e à implementação do projeto.

Assim, conforme assumido no artigo 2.º, n.º 2a. do MiCA, o legislador europeu deliberadamente exclui do escopo regulatório os NFTs.

No entanto, os NFTs são, hoje em dia, um fenómeno incontornável. Por exemplo, ficou mundialmente famosa a peça de arte digital “Everydays: the First 5000 Days” do artista Beeple, vendida a 11 de março de 2021 em leilão através da Internet por 69.4 milhões de dólares, um valor recorde à data para obras não físicas.

Mais tarde, a 2 de dezembro de 2021, a obra tokenizada The Merge do artista Pak, foi alienada a 30.000 investidores por um valor agregado de 91.8 milhões de dólares, o que estabeleceu um novo recorde decorrido menos de um ano após o leilão de “Everydays: the First 5000 Days” (!).

Ambos os criadores entraram no top-3 dos artistas vivos mais valiosos do mundo. Negócios como estes ilustram a dimensão e a pujança que os NFTs têm vindo a adquirir, sem sinais de abrandamento.

Contudo, um olhar atento dirigido às características criptográficas dos NFTs que exemplificámos, denuncia diversos dilemas interpretativos do sistema proposto pelo MiCA. Refira-se, a título de exemplo, o facto de a obra “The Merge”, de Pak, ser um NFT fracionado, o que não ocorre com o NFT “Everydays: the First 5000 Days”, de Beeple.

Um NFT fracionado ou F-NFT é, simplesmente, a parte fracionada de um NFT que se caracteriza por não ser única, nem infungível.  Estas frações representam uma percentagem da propriedade do NFT e podem ser comercializadas autonomamente no mercado secundário.

As dúvidas emergem da incerta caracterização do NFT e, consequentemente, de cada fração do NFT, como “única e não fungível. A fungibilidade é um conceito jurídico, verificável apenas na situação jurídica in concreto, podendo a mesma coisa ser fungível ou não fungível, dependendo do negócio jurídico em causa. A questão é premente, pois uma resposta afirmativa confirma a exclusão da aplicabilidade do MiCA, enquanto o seu inverso coloca a emissão do NFT fracionado sob a sua égide, com todas as consequências legais e procedimentais que daí resultam.

Levanta-se, portanto, a seguinte questão: se um NFT se caracteriza principalmente por ser único e não-fungível, não admitindo a sua cópia ou substituição, as partes em que esse NFT se possa subdividir (NFTs fracionais) manterão ainda a característica de serem únicas, ou seja, não copiáveis ou substituíveis? Pode, eventualmente, argumentar-se que os NFTs fracionais são únicos e que herdam as propriedades do NFT fracionado, caso em que estariam excluídos do âmbito de aplicação do MiCA.

Parece, todavia, não ser esse o entendimento do legislador europeu. Apesar da exclusão contida no MiCA relativamente à sua aplicação aos NFTs, os considerandos daquele diploma apontam uma série de advertências sobre a forma como esta exclusão é suscetível de ser interpretada no futuro. Destaca-se o Considerando 6(c) de onde resulta claro que as partes fracionadas de um criptoativo único e não fungível não devem ser automaticamente consideradas únicas e não fungíveis, exigindo-se antes que os próprios direitos ou bens representados sejam, também eles, únicos e não fungíveis.

De uma leitura dos Considerandos, resulta assim que é previsível que os tribunais venham a ser chamados a adotar uma abordagem que privilegia a substância sobre a forma e que exige uma avaliação pormenorizada das características de cada NFT, para determinar se esse NFT é de facto único e não fungível e, por conseguinte, excluído do âmbito de aplicação do MiCA. É exatamente esse o espírito com que o legislador europeu aborda o tema quando refere no final do Considerando 6(c) que o âmbito de aplicação do MiCA abrange também os criptoativos que, apesar de aparentemente únicos, apresentam características que os tornam fungíveis, cabendo ao intérprete realizar uma avaliação casuística.

Esta abordagem matizada certamente contribuirá para adicionar uma complexidade considerável na determinação da aplicabilidade, ou não, do MiCA a certos tipos de criptoativos que apresentem características semelhantes a um NFT puro.

Mas não só quanto a NFTs fracionados se poderão levantar problemas. De facto, a complexidade da tokenização de um NFT, bem como da respetiva utilização, pode suscitar diversas questões sobre a delimitação da solução de exclusão proposta pelo MiCA no que respeita a determinados tipos de NFTs ou utilizações.

Que dizer, por exemplo, do caráter “único e não fungível” de um NFT de uma quantidade específica de um material em bruto, como um NFT de um quilate de ouro? Parece intuitivo que, sem prejuízo da “forma” de tokenização, não estaremos perante uma situação de unidade e infungibilidade. Em casos como este, o princípio do primado da substância sobre a forma determinaria a aplicação do MiCA.

E quanto a NFTs dados como garantia do cumprimento de obrigações? Muito embora o NFT possa conservar a sua natureza “única e não fungível”, a garantia não considera tanto o “bem” prestado, enquanto “coisa”, quanto considera o valor atual e prospetivo do objeto da garantia. Nessa medida, a unidade e infungibilidade são relegadas para segundo plano, já que o NFT dado como garantia será substituível por outra garantia que de igual forma assegure o cumprimento de obrigações.

Por tudo isso, o enquadramento jurídico-legal dos NFTs permanece incerto e difícil de prever.

Isto afigura-se como um cenário mau se considerarmos a dimensão global do fenómeno, aliada aos riscos e preocupações de natureza contratual, financeira, fiscal e inclusive criminal que uma transação de NFTs totalmente desregulada pode acarretar.

Para lá do seu enquadramento técnico-legal, parece-nos também interessante analisar o fenómeno dos NFTs à luz de uma certa “aura” de deslumbramento jurídico que lhes está associada nos tempos atuais. E os tempos atuais são, efetivamente, de “sharing economy”.

Sharing economy é o termo que denomina “o sistema socioeconómico de transações entre indivíduos que utilizam plataformas tecnológicas como intermediários, juntando fornecedores e utilizadores numa partilha de bens, serviços ou ideias, sem que exista transferência de propriedade[1]. Este conceito descreve uma proposta de economia organizada em função da partilha de recursos, privilegiando a experiência proporcionada pela mera utilização ou “posse titulada”, em detrimento da propriedade “clássica”, entendida como reunião dos direitos deuso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, gozados de modo pleno e exclusivo pelo titular e oponível erga omnes, nos termos do artigo 1305.º do Código Civil.

No advento da sharing economy é possível que, sem que sejamos puramente proprietários, possamos usufruir das utilidades da propriedade: arrendamos uma casa, alugamos um carro, utilizamos plataformas eletrónicas que nos dão acesso a um universo quase ilimitado de livros, filmes, músicas, entre muitos outros interesses quotidianos. A sharing economy permite (quase) todos os benefícios, nomeadamente o uso, mas não a disposição, excluindo (quase) todos os encargos decorrentes de se ser proprietário, nomeadamente os custos de manutenção, mas não os custos de renovação do título de uso (i.e., a “subscrição”).

A valorização galopante da sharing economy e o modo como contribui para uma mitigação do papel quotidiano da propriedade “clássica” insere-se, como é sabido, num fenómeno mais alargado de desmaterialização da riqueza. Sobre esta realidade, como bem refere Henrique Sousa Antunes (…) a riqueza transitou, ao longo da história, da realidade material das coisas corpóreas para a realidade imaterial dos direitos de natureza creditícia ou sobre bens incorpóreos.”[2]

A este respeito, importa referir que a propriedade e o que a caracteriza, desde sempre levanta inúmeras questões quanto ao modo como deve ser definida, na medida em que “qualquer que [seja] o conceito formulado, seria necessariamente incompleto ou erróneo, dadas as características que, em todas as legislações e em todos os tempos, revestiu esta figura”[3]. Isto significa que, em sentido amplo, tanto a propriedade clássica, como os fenómenos de sharing economy poderão ser corretamente classificados, em abstrato, como fenómenos de “propriedade”.[4]

É precisamente numa época marcada por esta mudança de paradigma quanto à forma como consumimos, em que um mundo de propriedade material sobre “coisas” é paulatinamente substituído por um mundo de direitos materiais e imateriais de utilização de “novas coisas”, que nos podemos questionar como e por que razão surge um vasto movimento global de extraordinário fervor por ser, afinal, proprietário de uma “nova coisa” – os NFTs. À primeira vista parece, efetivamente, que a “propriedade” sobre NFTs surge numa lógica de contraciclo.

Contudo, para compreender esta corrida ao “cripto-ouro” dos NFTs, é preciso ir além da sua definição e enquadramento legal e procurar compreender qual o endgame de todo este fenómeno.

A procura de novas e melhores formas de expressão, realização e gozo pessoal através da contemplação artística não é uma realidade dos dias de hoje. O desejo pela criação e controlo sobre bens únicos, belos e valiosos é inerente à própria criação artística e associa‑se à identidade de quem cria ou controla, sendo representativos de um determinado “status” real ou digital. É precisamente neste contexto que a exclusividade surge como palavra de ordem, sendo evidentes as afinidades entre o mercado dos NFTs e o mercado dos produtos de luxo. Neste contexto, a caracterização dos NFTs como um produto do segmento de luxo do mercado da arte traduz-se numa associação do fenómeno a uma realidade imemorial – o desejo de possuir o exclusivo, o único, o que mais ninguém ou muito poucos têm, situação que convive com naturalidade com a sharing economy. Mas resumir-se-ão os NFTs a esta realidade?

Por outro lado, se olharmos para as flutuações incessantes verificadas no valor dos mercados de criptoativos, bem como ao pânico com que os entusiastas do universo crypto olham para os projetos de regulação jurídico-legal dos NFTs, ligado ao facto de estarmos perante uma realidade relativamente recente, podemos ser levados a prever que o fenómeno não passe de uma moda, que com o passar do tempo será naturalmente substituída por outras trends.

Outra hipótese será, afinal, aceitarmos que os NFTs representam o primeiro passo de um verdadeiro “regresso à propriedade”, quiçá um sintoma ou indício de que o ser humano apenas aceitará viver durante um limitado período de tempo sem um conjunto de “coisas” que possa verdadeiramente afirmar “suas”, o que representaria um revés às aspirações expansionistas da sharing economy.

O que reserva o futuro dos NFTs à luz do iminente MiCA e o que nos diz sobre a postura da sociedade sobre a propriedade? Nesta corrida ao cripto-ouro, o que jaz para lá da meta?

Conviverão os NFTs com naturalidade com a atual sharing economy no seu nicho de luxo, multiplicando-se passo a passo a diluição da propriedade numa multiplicidade de posses tituladas e progressivamente desmaterializadas, levando-nos a questionar se poderemos estar perante o fim anunciado de um dos desígnios históricos da solidariedade intergeracional e familiar: a herança?

Representarão um mero fenómeno de moda que, sufocado pela intervenção do legislador e esfumado o perfume da sua pujança, desaparecerá sem afetar o modo como a sociedade “é” proprietária?

Ou a trend atingirá definitivamente as massas e assumir-se-á como precursora de uma notável “vingança da propriedade”, tornando cultura a contracultura, numa grande rejeição social do que já muitos rotulam como a “armadilha da pseudocoletivização” que dará lugar, afinal, ao regresso triunfal da propriedade individual? Por ora, apenas sabemos que estamos perante um grande ponto de interrogação


[1] Russell W. Belk; Giana M.Eckhardt; Fleura Bardhi, Handbook of the Sharing Economy, Edward Elgar Editora, 2019 (p. 1)

[2] Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, 1.ª Ed., Universidade Católica Portuguesa Editora, 2017 (p. 10)

[3] Pires de Lima; Antunes Varela com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, Volume III (Artigos 1251º a 1575º), 2ª Edição Revista e Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984 (p. 84)

[4] Quanto a este tema, vide José Gaspar Schwalbach, Direito Digital, Editora Almedina, 2021 (p. 124 e ss.)

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