As bicicletas e as trotinetas partilhadas foram introduzidas na cidade de Lisboa em 2018 com o intuito de melhorar a micromobilidade e promover a mobilidade partilhada, reduzindo o tráfego automóvel no interior da cidade. Conheceram, desde então, um crescimento exponencial, fazendo hoje parte da paisagem da cidade e do dia a dia de milhares dos seus moradores e visitantes. De acordo com os números disponibilizados pela Câmara Municipal de Lisboa (“CML”) existem atualmente 11.000 trotinetas e bicicletas partilhadas sem doca (ou seja, que podem ser deixadas em qualquer ponto da cidade) e 18.000 no total (sem doca e com doca), disponibilizadas por sete operadores. Números que parecem excessivos, em especial se compararmos com os de Madrid, que recentemente reduziu de 10.000 para 6.000 o número de veículos autorizados.
De acordo com o documento “Grandes Opções do Plano 2022-2026 da Cidade de Lisboa”, a mobilidade partilhada tem um lugar de destaque na Lisboa do futuro: “restituir Lisboa aos lisboetas passará (…) pela melhoria das condições de mobilidade suave com mais informação, segurança, conforto e funcionalidade” e pelo “conceito de modernidade das cidades construídas para as pessoas. A mobilidade é hoje partilhada, suave e limpa (…) [é necessário conduzir com equilíbrio] a transição de um modelo de cidade baseado no carro para um modelo de cidade baseado na proximidade e que alavanque as novas tecnologias de mobilidade”.
Se a utilização de bicicletas e trotinetas partilháveis resulta em grandes benefícios para a cidade, também acarreta, indiscutivelmente, inúmeros problemas e desafios, em especial na perspetiva da segurança e da organização do território.
Em termos de enquadramento legal, a mobilidade partilhada encontra-se regulada no Decreto‑Lei n.º 47/2018 de 13 de agosto, que regula o regime da atividade de rent-a-car e da partilha de veículos (também conhecida por sharing) e também, naturalmente, pelo Código da Estrada, Decreto-Lei n.º 114/94 de 3 de maio. De acordo com os artigos 3.º, 4.º e 5.º do primeiro diploma, a atividade de sharing não está sujeita a licenciamento municipal, mas apenas a comunicação prévia ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (“IMT”), que poderá indeferir o pedido caso verifique que os requisitos de acesso à atividade não se encontram preenchidos.
Foi com o panorama acima referido, e em particular considerando que a CML não tem os necessários poderes para limitar o número de operadores e de veículos disponibilizados, que a autarquia propôs elaborar e fazer aprovar durante o ano de 2023 um Regulamento Municipal de Mobilidade Partilhada (“RMMP”).
De acordo com a Proposta N.º 507/2022 do Gabinete do Vereador da Mobilidade da CML, pretende-se formalizar num instrumento jurídico as melhores práticas a adotar na atividade de sharing, tendo como principal objetivo regular o estacionamento e a circulação indevida (circulação em passeios, em contravenção, ou seja, aos pares, e ainda por menores). São assim expectáveis as seguintes alterações introduzidas por este regulamento, cujo projeto aguarda aprovação pela CML para ser submetido a consulta pública durante o mês de janeiro de 2023:
– Criação de zonas de estacionamento permitido;
-Aumento das zonas de circulação e estacionamento proibidos;
-Alterações às aplicações dos operadores para incluírem a impossibilidade de concluir uma viagem em zona de estacionamento proibido;
-Criação de taxas municipais para penalizar os operadores que não disponham de soluções efetivas para proibir o estacionamento e a circulação em determinadas zonas e para incentivar comportamentos de utilização correta do espaço público.
No ínterim, a CML celebrou no dia 9 de janeiro de 2023 um acordo de colaboração com os operadores de bicicletas e trotinetas, que deverá vigorar enquanto o RMMP não for aprovado, através do qual conseguiu alcançar os objetivos acima referidos, nomeadamente: (i) a criação de zonas de circulação e estacionamento proibidos; (ii) a criação de zonas de estacionamento (hotspots); (iii) a fixação do número máximo de trotinetas por operador (1500 de 1 novembro a 31 de março e 1750 de 1 de abril a 31 de outubro de cada ano) e bicicletas (250 de 1 de novembro a 31 de março e 500 de 1 de abril até 31 de outubro de cada ano); e ainda (iv) a limitação da velocidade das trotinetas e bicicletas elétricas até ao máximo de 20 km/h, entre outras medidas. As medidas previstas no referido acordo de colaboração que exigem alterações às tecnologias utilizadas pelos operadores deverão ser implementadas no prazo de 60 dias contados da assinatura do acordo. Sucede, no entanto, que o referido acordo só é aplicável aos operadores que são parte do mesmo, pelo que qualquer novo operador não se encontra vinculado por este acordo. De referir ainda que se têm verificado várias intervenções no espaço público de pessoas e entidades relevantes nesta matéria, defendendo uma alteração ao Código da Estrada para incluir normas que visem a redução da velocidade máxima das bicicletas e trotinetas elétricas e a regulação do seu estacionamento.