A Blockchain como veículo de promoção da inclusão financeira para as populações financeiramente excluídas

De que maneira poderá a tecnologia Blockchain promover a inclusão financeira, fornecendo serviços financeiros descentralizados, de baixo custo e seguros, mesmo em regiões financeiramente excluídas?

A tecnologia Blockchain tem vindo a ganhar considerável notoriedade, quer a nível doméstico, quer a nível internacional, em virtude do seu potencial disruptivo, em particular no que respeita à inovação que pode proporcionar nos sistemas financeiros tradicionais. No essencial, e conforme avançado num outro insight do WhatNext.Law(Novos Paradigmas dos Mercados Financeiros – As Initial Coin Offering), trata-se de uma “base de dados distribuída e imutável, gerida de forma descentralizada e que opera normalmente de forma autónoma, com uma verificação algorítmica e criptográfica associada, onde são registadas as transações que envolvem o ativo subjacente. A tecnologia Blockchain prescinde da tradicional intermediação financeira na verificação das transações (por exemplo a autenticação, identificação das partes e armazenamento de dados), recorrendo antes a métodos criptográficos para validar as operações realizadas. Assim, todos os participantes da rede (também designados por “mineiros”) são responsáveis pela verificação, manutenção e atualização da informação contida na base de dados.”. Esta tecnologia caracteriza-se por ser descentralizada, transparente e imutável, apresentando-se como uma ferramenta interessante para registar transações e aumentar a transparência no sistema financeiro. Embora a Blockchain esteja ainda numa fase de desenvolvimento, as suas potenciais aplicações no sistema financeiro são hoje reconhecidas, e conseguimos imaginar as nossas cidades do futuro a aproveitarem as funcionalidades que a Blockchain oferece para transformarem os seus sistemas financeiros. Neste insight iremos explorar brevemente o impacto potencial da tecnologia Blockchain no que respeita à democratização do acesso aos serviços financeiros básicos, i.e., à promoção da inclusão financeira, sobretudo no que toca às populações financeiramente excluídas.

O aumento da inclusão financeira tem sido sublinhado como um passo crucial que deve ser dado para diminuir os níveis de pobreza e a Blockchain tem sido investigada como uma tecnologia com potencial para marcar a diferença na tentativa de o fazer. De acordo com uma estimativa do World Bank de 2021 (The Global Findex Database 2021), 1,4 mil milhões de adultos no mundo inteiro não têm uma conta bancária aberta numa instituição de crédito (os conhecidos como “unbanked”) e outros tantos têm um acesso muito limitado a serviços financeiros básicos (os “underbanked”). Todas estas pessoas têm dificuldades em enviar e receber dinheiro facilmente, construir uma poupança numa conta bancária ou aceder a crédito bancário. Contanto que tenham acesso à internet, os sistemas baseados em Blockchain podem permitir a estas pessoas o acesso aos serviços financeiros e a participação na economia. Isto porque a Blockchain é descentralizada e não requer intermediários, tais como bancos, que podem ser excludentes para certas populações. Além disso, a Blockchain pode aumentar a segurança das transações financeiras, utilizando métodos criptográficos que as protegem contra fraudes e ciberataques. Vejamos melhor como pode a Blockchain promover a inclusão financeira das populações excluídas.

Redução dos custos de envio das remessas (“remittances”)

De acordo com a definição avançada pelo Fundo Monetário Internacional, as remessasconsistem em transferências monetárias entre residentes em países diferentes, normalmente associadas a pequenas transferências pessoais realizadas por um trabalhador residente no estrangeiro a favor da sua família (Rühmann F., S. A. Konda, P. Horrocks, N. Taka, “Can Blockchain Technology Reduce the Cost of Remittances?” OECD Development Co-operation Working Papers, N.º 73, OECD Publishing, Paris).

As remessassão uma importante fonte de rendimento para milhões de pessoas nos países em desenvolvimento, tendo atingido em 2021, nos países de baixo e médio rendimento, um fluxo de 605 mil milhões de dólares, correspondente a um aumento de 8,6% face ao ano anterior (Dilip Ratha, Eung Ju Kim, Sonia Plaza, Elliott J Riordan, e Vandana Chandra, 2022, “A War in a Pandemic: Implications of the Russian invasion of Ukraine and the COVID-19 crisis on Global Governance of Migration and Remittance Flows”, Migration and Development Brief 36, KNOMAD-World Bank, Washington, DC., License: Creative Commons Attribution CC BY 3.0 IGO). A redução dos custos das remessas é, por isso, apontada como uma importante medida de combate à pobreza, tendo sido destacada como um dos objetivos de desenvolvimento sustentável apresentados pelo G20 (Goal 10: Reduce inequality within and among countries – United Nations Sustainable Development Goals). No entanto, o processamento de pagamentos através de sistemas de pagamento nacionais é, atualmente, dispendioso e demorado, implicando ainda a intervenção de intermediários que cobram uma comissão pela prestação do serviço. Se devidamente implementada, a Blockchain pode permitir pagamentos quase em tempo real, enquanto reduz os custos de processamento das transações, porquanto elimina a intervenção de intermediários, tais como bancos ou casas de câmbio. Os custos associados ao envio das remessas podem, portanto, ser substancialmente reduzidos através da Blockchain.

A imagem em baixo ilustra o processo de remoção dos intermediários e a forma como um utilizador da Blockchain pode ver facilitado o procedimento do envio de remessas:[1]


A Blockchain facilita o processo de abertura de uma conta bancária através da simplificação dos procedimentos de KYC

Uma das principais razões pelas quais os unbanked e os underbanked não são titulares de uma conta bancária é a circunstância de não terem disponíveis documentos oficiais de identificação pessoal (Can blockchain accelerate financial inclusion globally?), sendo certo que os prestadores de serviços financeiros são obrigados por lei a verificar determinada informação sobre os seus clientes antes de os aceitarem, de maneira a mitigar os riscos associados a branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

A Blockchain pode ajudar a criar uma abordagem descentralizada na gestão da identidade. Por exemplo, a aplicação Humaniq cria perfis digitais com base em dados biométricos como o reconhecimento facial e de voz. Os potenciais utilizadores não são obrigados a ter um passaporte ou uma conta de correio eletrónico, podendo antes utilizar um smartphone para tirar uma fotografia de si próprios e gravar um vídeo no qual fazem diferentes expressões faciais.

Além disso, a Blockchain pode ajudar a detetar e a prevenir comportamentos e atividades ilegais, facilitando assim o processo de KYC (Know Your Customer) e reduzindo o tempo e os custos associados à recolha de informações pessoais. Com efeito, a imutabilidade e transparência associadas à Blockchain poderiam permitir a criação e o armazenamento seguro de dados verdadeiros e atualizados, levando a uma maior eficiência operacional, maior confiança e maior acessibilidade aos dados em questão. As transferências de baixo custo associadas à Blockchain podem também ser um incentivo à abertura de contas bancárias e podem ajudar a ultrapassar os desafios geográficos enfrentados pelos unbanked e underbanked. Com o simples recurso a um smartphone, os indivíduos com rendimentos baixos e médios poderão abrir uma conta bancária a partir do seu telemóvel, evitando assim os custos de deslocação às instituições financeiras, que para certas populações são significativos.

A Blockchain promove a segurança do sistema financeiro e dos seus utilizadores

Como acima referido, a Blockchain tem vindo a ser considerada amiúde como uma tecnologia revolucionária e disruptiva, com enorme potencial para transformar o setor financeiro, a nível mundial. Nesses termos, a Blockchain tem a capacidade de promover a segurança e a inclusão financeiras, proporcionando aos utilizadores do sistema financeiro maior transparência e controlo sobre as suas transações e informações.

Uma das principais maneiras pelas quais a Blockchain promove a segurança é através da sua tecnologia de registo distribuído (distributed ledger technology) e imutável, uma vez que todas as transações são registadas num digital ledger, que é compartilhado e validado por vários nodes. Esta tecnologia é extremamente segura, pois não pode ser manipulada ou alterada por qualquer pessoa que não tenha acesso às chaves criptográficas necessárias para confirmar e validar as transações.

Além disto, a transparência e a imutabilidade da distributed ledger technology auxilia na redução da fraude financeira. Como todas as transações são registadas publicamente, os utilizadores mal‑intencionados (ou até mesmo organizações tendencialmente corruptas) têm menos oportunidade de cometer fraudes, dado que qualquer tentativa de alterar ou excluir transações é imediatamente detetada pela Blockchain.

Do ponto de vista dos utilizadores, a Blockchain garante também a segurança da sua identidade digital. Assim o é, porque as informações pessoais são criptografadas e armazenadas na distributed ledger technology, o que ajuda a proteger a privacidade dos utilizadores do sistema financeiro, permitindo, ao mesmo tempo, que acedam a serviços financeiros sem que seja necessário partilharem informações pessoais confidenciais com intermediários ou outras partes não autorizadas – o que se verifica no modelo tradicional de serviços financeiros.

A Blockchain promove o acesso a redes financeiras globais

O acesso a redes financeiras globais é um outro aspeto importante da inclusão financeira, pois permite que certos agentes económicos participem na economia global, acedendo a uma ampla gama de produtos e serviços financeiros.

As transações transfronteiriças tradicionais são, tipicamente, lentas, dispendiosas e sujeitas a elevadas taxas de câmbio ou comissões. O contributo essencial da Blockchain passa por eliminar muitas dessas ineficiências, fornecendo uma plataforma descentralizada e transparente para transações transfronteiriças. Por exemplo, os sistemas de pagamento baseados em Blockchain – como o Ripple (XRP) e o Stellar (XLM) – já são, atualmente, utilizados para facilitar a realização de pagamentos transfronteiriços de forma mais eficiente e económica, permitindo a liquidação quase instantânea de transações transfronteiriças, com taxas reduzidas e sem recurso a intermediários, em sentido inverso ao que se verifica nos sistemas de pagamento tradicionais.

Além do acima referido, ao permitir que os agentes económicos criem a sua identidadedigital de forma segura e confiável, a Blockchain promove o acesso a redes financeiras globais, na medida em que essas identidades digitais são capazes de prevenir fraudes e facilitar a realização de transações financeiras transfronteiriças. Um exemplo disso é a “ID2020 Alliance” (ID2020 | Digital Identity Alliance), uma parceria público-privada mundial que procura fornecer identidades digitais seguras e descentralizadas para indivíduos em todo o mundo, permitindo que os unbanked e os underbanked tenham acesso a uma nova realidade financeira que, à priori, desconhecem.

Por último, a Blockchain pode contribuir para o acesso a redes financeiras globais através de plataformas descentralizadas para empréstimos entre pares (peer-to-peer lending). Estas plataformas possibilitam que os agentes económicos estabeleçam relações diretas entre eles, enquanto mutuários e mutantes, sem qualquer tipo de fronteiras ou necessidade de intermediários financeiros, facilitando o acesso a um vasto leque de opções de financiamento e oportunidades de investimento, independentemente da localização ou histórico de crédito.

Conclusão A tecnologia Blockchain tem potencial para promover a inclusão financeira de diversas formas. Desde logo, fornece um sistema descentralizado e transparente que pode ajudar indivíduos e empresas a acederem a serviços financeiros mais facilmente e de forma segura, mesmo em regiões onde o acesso a esses serviços é inexistente ou muito limitado. Ao reduzir os custos de transação e ao eliminar a necessidade de intervenção de intermediários, a Blockchain pode permitir pagamentos e remessas transfronteiriças mais rápidas e menos onerosas. Além disso, as identidades digitais baseadas na tecnologia Blockchain podem ajudar indivíduos sem documentos de identificação tradicionais a aceder a serviços financeiros. Embora ainda haja desafios a ultrapassar, tais como a existência de quadros regulatórios exigentes e consistentes entre as diversas jurisdições e o problema da literacia digital, os potenciais benefícios da Blockchain para a inclusão financeira não podem ser ignorados. Com a contínua inovação e colaboração dos diversos países, a Blockchain tem o poder de transformar o sistema financeiro global e de levar a capacitação económica a comunidades financeiramente excluídas.

[1] Fonte: Blockdata | Blockchain in Remittance & Money Transfer Services

The Insights published herein reproduce the work carried out for this purpose by the author and therefore maintain the original language in which they were written. The opinions expressed within the article are solely the author’s and do not reflect in any way the opinions and beliefs of WhatNext.Law or of its affiliates. See our Terms of Use for more information.

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