O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) é, consabidamente, um imposto de matriz europeia, sendo tipicamente caraterizado como um imposto reditício, constituindo uma relevante fonte de receita para cada Estado-Membro e para a União Europeia (UE), representando 12% do orçamento total da UE.
Em virtude da globalização, da digitalização da economia e da desmaterialização dos processos de negócio, as regras do IVA, criadas e pensadas há largos anos para um contexto distinto, têm-se revelado, não raras vezes, desadequadas, complexas e permeáveis à fraude e à evasão fiscal, o que, inevitavelmente, desemboca na perda de receita fiscal – de acordo com a Comissão Europeia, a diferença global entre a receita estimada do IVA e o imposto efetivamente cobrado (“VAT gap”) ascendeu, em 2020, a uns impressivos 93 mil milhões de euros.
Por outro lado, o sistema atual do IVA impõe importantes custos de contexto às empresas, sobretudo àquelas que, em virtude da internacionalização da sua atividade, efetuam operações localizadas em diferentes Estados-Membros da União Europeia e, como tal, são obrigadas a registar-se em cada um desses Estados-Membros para efeitos de IVA, por forma a darem cumprimento às obrigações declarativas e de cobrança do imposto nessas jurisdições.
Acresce que, em determinadas situações, as regras atuais do IVA favorecem distorções injustificadas de concorrência entre os operadores económicos que atuam na designada “economia das plataformas” e aqueles que desenvolvem a sua atividade no âmbito da “economia tradicional”. Essa distorção é particularmente relevante, de acordo com o estudo VAT in the Digital Age, nos setores do alojamento de curta duração e do transporte de passageiros, dado que as pessoas singulares (que não se encontram registadas para efeitos de IVA) e, bem assim, as empresas de menor dimensão que usufruem de determinadas isenções deste imposto podem prestar os seus serviços sem liquidação de IVA, através de uma plataforma e, fruto das economias de escala e do efeito de rede, estar em concorrência direta com os prestadores tradicionais que liquidam IVA aos seus clientes.
Foi neste contexto que a Comissão Europeia publicou, em 8 de dezembro de 2022, o pacote legislativo referente ao IVA na Era Digital (VAT in the Digital Age – “ViDA”), propondo um conjunto de modificações à Diretiva 2006/112/CE (comummente designada “Diretiva IVA”), ao Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 e ao Regulamento (UE) n.º 904/2010, com o objetivo central de modernizar o sistema do IVA, tornando-o mais simples, justo e robusto.
No essencial, as propostas da Comissão Europeia visam digitalizar obrigações declarativas, atualizar as regras de IVA aplicáveis à economia das plataformas e minimizar a necessidade de os operadores económicos que atuam no quadro internacional se registarem para efeitos de IVA em vários Estados-Membros.
Num exercício de síntese de algumas das principais medidas do pacote legislativo ViDA, é de referir a proposta de introdução de um sistema de comunicação digital para as operações intracomunitárias, em substituição das atuais declarações recapitulativas, com o objetivo de fornecer informação, operação a operação, em tempo quase real, às administrações fiscais.
Neste âmbito, propõe-se que a faturação eletrónica passe a ser a regra, sem depender de autorização prévia do destinatário da fatura, alinhando-se o conceito de fatura eletrónica da Diretiva IVA com o que se encontra previsto na Diretiva 2014/55/UE relativa à faturação eletrónica nos contratos públicos, que regula a faturação eletrónica nas operações B2G (Business-to-government), ou seja, entre empresas e a administração pública.
Atendendo ao desiderato de as administrações fiscais terem acesso a informação em tempo quase real, propõe-se que o prazo para a emissão da fatura eletrónica nas operações intracomunitárias seja de dois dias após a ocorrência do facto gerador de imposto, introduzindo-se a obrigatoriedade de constarem elementos suplementares em cada fatura, nomeadamente informação bancária (por exemplo, identificação da conta bancária na qual o pagamento da fatura será creditado, indicação das datas acordadas para o pagamento da operação), por forma a que as administrações fiscais possam também acompanhar, para além do fluxo de bens, o fluxo financeiro.
Adicionalmente, tendo em vista corrigir as distorções de concorrência apontadas nos setores do alojamento de curta duração e do transporte de passageiros, a Comissão Europeia prevê a introdução de uma medida de simplificação destinada a facilitar a cobrança do IVA, propondo-se que, em determinadas situações, em que o prestador subjacente é uma pessoa singular (não registada para efeitos de IVA) ou uma entidade abrangida por um regime de isenção de IVA, sejam as plataformas a cobrar o IVA nas operações em que facilitam a prestação de serviços de alojamento de curta duração ou de transporte de passageiros.
Ainda no domínio da “economia das plataformas”, por forma a obstar a diferenças de qualificação dos serviços prestados pelas plataformas (nomeadamente como serviços prestados por via eletrónica ou como serviços de intermediação) decorrentes de interpretações dissonantes dos diversos Estados-Membros, com impacto direto na determinação da localização dos serviços, podendo redundar em situações de dupla tributação ou de não tributação, propõe-se que o serviço prestado por uma plataforma seja qualificado como um serviço de intermediação em toda a UE, permitindo, assim, uma aplicação uniforme das regras relativas à localização do serviço.
Numa outra vertente de atuação – a de evitar a necessidade de operadores económicos que desenvolvem atividade cross-border se registarem para efeitos de IVA em vários Estados-Membros, favorecendo o ideal de um registo único de IVA que possibilita a redução dos custos de cumprimento dos sujeitos passivos – propõe-se, nomeadamente, o alargamento do regime de simplificação do balcão único do IVA (One-Stop Shop – “OSS”), passando a ser abrangidas pelo OSS operações como a transferência de bens móveis corpóreos expedidos pelo sujeito passivo (ou por sua conta) com destino a outro Estado-Membro, para as necessidades da sua empresa. De forma simplificada, o OSS permite que os sujeitos passivos que realizem operações localizadas em diferentes Estados-Membros cumpram a totalidade das suas obrigações em sede de IVA perante um único Estado-Membro, interagindo com a administração fiscal de um único país e num único idioma. O pacote legislativo da Comissão Europeia contempla medidas que se pretende começarem a ser aplicadas entre 2024 e 2028, cabendo aos Estados-Membros, aos operadores económicos e às administrações fiscais criarem as condições necessárias para o ViDA.