“Green IP” – como os direitos de propriedade industrial podem ajudar um mundo mais sustentável

O Direito da Propriedade Industrial assume-se, cada vez mais, como uma das áreas que mais podem contribuir para o desenvolvimento sustentável, enquanto promove o progresso científico e tecnológico.

Ao longo dos últimos anos, a discussão sobre a sustentabilidade tem assumido cada vez mais destaque, com as preocupações ambientais a situarem-se no centro do debate político e social. A preocupação com as alterações climáticas, bem como sobre o mundo que queremos deixar às próximas gerações não pode ser ignorada nem pelos cidadãos, nem pelas empresas, nem pelos decisores políticos (nacionais e comunitários).

No plano da União Europeia, surgiram já várias iniciativas, como a “Green Claims Directive”, que seguirá para a fase das trilogue negotiations e cujo principal objetivo é o de tornar as green claims fidedignas protegendo também assim os consumidores, ou o célebre Pacto Ecológico Europeu, um pacote de medidas que visa, nomeadamente, tornar a Europa climaticamente neutra até 2050 e, no seu seguimento, o “Objetivo 55” que compreende um rol de novas propostas legislativas para atingir uma redução em, pelo menos, 55 % das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. Além da referida meta para 2050, o Pacto Ecológico Europeuvisa ainda impulsionar a economia através de green technology. Como o próprio nome sugere, a green technology envolve a utilização da tecnologia ou de inovações tecnológicas para promover a sustentabilidade, enfrentar desafios ambientais, reduzir o impacto negativo do estilo de vida da sociedade moderna no meio ambiente e promover o uso responsável dos recursos naturais. Dado que estas inovações tecnológicas decorrem de criações humanas (criações “do espírito humano”), os direitos sobre as mesmas inserem-se no âmbito de proteção do Direito da Propriedade Intelectual.

Dentro do Direito da Propriedade Intelectual, destaca-se o Direito da Propriedade Industrial, caracterizado por atribuir a determinadas pessoas direitos exclusivos de utilização de determinados bens imateriais, tipicamente subdividido em dois grandes domínios: (i) tutela da inovação (na qual se destacam, sobretudo, as patentes); e (ii) proteção dos sinais distintivos do comércio (em que as marcas e os desenhos e modelos assumem particular relevância).

Dentro da tutela da inovação, as patentes, destinando-se a proteger invenções que consubstanciam soluções técnicas (para problemas técnicos) que sejam novas, inventivas e suscetíveis de aplicação industrial, são instrumentos essenciais para potenciar a investigação e o desenvolvimento, concedendo, por tempo limitado, um monopólio da sua exploração ao respetivo titular (artigo 102.º do Código da Propriedade Industrial [CPI]).

Ora, as patentes assumem-se como um importante incentivo ao desenvolvimento tecnológico, garantindo aos inventores a possibilidade de explorarem, em exclusivo, durante um determinado período, a sua invenção e, consequentemente, permite que o investimento feito tenha retorno económico por via desse mesmo direito exclusivo. No entanto, e em contrapartida, a patente permite também divulgar ao público as mais recentes invenções e avanços tecnológicos, promovendo assim a constante evolução cientifica, dado que: (i) apresentado um pedido de patente, este é divulgado ao público através da sua publicação, sendo descrito de forma suficientemente elaborada e permitindo a um perito na especialidade executar tal invenção (cfr. artigo 29.º do Acordo Sobre os Aspetos Relativos aos Direitos de Propriedade Intelectual [Acordo TRIPS] e artigo 62.º, n.º4 do CPI); e (ii) a proteção conferida à patente tem a duração de 20 anos a contar da data de apresentação do pedido (cfr. artigo 33.º do Acordo TRIPS e artigo 100.º do CPI).

Assim, estando visto, em traços largos, o que é a green technology e qual o âmbito de proteção das patentes, importa perceber de que forma estas se relacionam e podem continuar a relacionar-se em prol da sustentabilidade.

Em 2021, conforme dados da própria Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), a percentagem de patentes concedidas respeitantes a green technology foi de 10,2% nos países pertencentes àquela organização, o que levanta a questão: que passos têm sido dados para proteger e promover, materialmente, esta green technology? Há alguns exemplos que se têm destacado ao longo dos anos, e que nos parecem ir no caminho certo.

O “WIPO GREEN”, criado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO na sigla em inglês), é uma plataforma online que promove a sustentabilidade ao colocar em contacto fornecedores e inventores de green technology, independentemente do estado de desenvolvimento em que a tecnologia se encontre (desde protótipos a produtos que podem já ser comercializados). Seis anos após a sua criação, esta plataforma envolve mais de 3.600 invenções, as quais foram disponibilizadas por cerca de 1.200 utilizadores. Esta plataforma serve ainda como rede de networking promovendo eventos e parcerias entre os utilizadores.

Na mesma linha temos o “Eco-Patent Commons”, projeto fundado por empresas como a IBM, a Nokia ou a Sony e cujo objetivo é fomentar a inovação através da partilha gratuita de green technology acessível a todos, indivíduos e/ou empresas. Já o “IPC Green Inventory” é uma ferramenta criada pelo WIPO que, partindo da Classificação Internacional de Patentes (IPC na sigla em inglês) presente no Acordo de Estrasburgo Relativo à Classificação Internacional de Patentes, atualmente usado por mais de 100 países, serve como motor de pesquisa exclusivamente orientado para facilitar pesquisas relacionadas com patentes destinadas a tecnologia verde e sustentável, abrangendo áreas tecnológicas que vão desde fontes de energia renovável e produção de energia nuclear até aspetos administrativos e regulamentares.

Ainda no domínio das patentes, encontramos vários casos em que Institutos Nacionais da Propriedade Industrial de várias partes do mundo implementaram programas específicos com o objetivo de acelerar a tramitação de pedidos de patentes relacionadas com green technology, a maioria delas no setor das energias renováveis. Estima-se, de acordo com dados do WIPO, que nestas fast-track applications o tempo para a concessão de patentes seja reduzido de vários anos para apenas alguns meses.

Ora, do exposto decorre que existem cada vez mais ferramentas ao dispor dos inventores que pretendam investir em tecnologias mais sustentáveis e eco-friendly, tendo as organizações internacionais feito uma crescente aposta neste mercado, que se espera que não pare de crescer. Já nos direitos que emergem do registo de marcas e desenhos ou modelos, por não materializarem uma solução técnica para as alterações climáticas nem envolverem o uso de tecnologia per si, a exclusividade do direito não é um impedimento ao desenvolvimento de green technology, categorizando-se estes ativos intelectuais (marcas e desenhos ou modelos) como non-technological IP.

Se as marcas são, no essencial, sinais distintivos, suscetíveis de representação gráfica para assinalar e distinguir determinados produtos e/ou serviços no mercado, já os desenhos ou modelos dizem respeito à aparência do produto, nomeadamente, às linhas, contornos, cores, forma e textura. As marcas e os desenhos e modelos têm em comum a sua importância social e a sua estreita relação com o consumidor, considerando que podem influenciar a escolha de determinados produtos ou serviços em função de serem mais ou menos reconhecidos ou reputados. Assim, nestes casos, a disseminação da green technology opera através da posição da empresa no mercado e da sua capacidade de atrair consumidores (no caso da marca), ou da aparência e design apelativo dos produtos (no caso dos desenhos ou modelos).

Neste sentido, também aqui os direitos de propriedade industrial têm um papel muito importante: é muitas vezes através das marcas ou dos desenhos e modelos que as empresas conseguem dar a conhecer estas novas tecnologias verdes, contribuindo assim para a difusão e divulgação de nova informação e para um aumento da consciência sobre a relevância da sustentabilidade no comércio.

As marcas, sobretudo, têm sido alvo de uma particular atenção por parte da União Europeia, que tem legislado sobre ecodesign e ecolabels, o que bem demonstra a importância que o tema assume para o legislador europeu.

Produtos com a certificação de uma ecolabel, por exemplo a “EU Ecolabel” transmitem ao consumidor confiança na origem, no material ou na qualidade do produto, uma vez que a atribuição desta certificação implica o cumprimento de vários critérios rigorosos. Com efeito, não raras são as vezes em que as empresas utilizam indicadores ambientais como estratégia de marketing, persuadindo os consumidores ambientalmente conscientes a optarem por determinado produto (em vez de outro produto de marca distinta que aparente não ser sustentável) através de declarações vagas, sem grande informação e fundamento, criando a ilusão no consumidor de que ao optar por aquele produto estará a fazer uma escolha ambientalmente consciente. Este fenómeno é conhecido como greenwashing e, dada a sua relevância e impacto prático, tem sido ativamente combatido pelas autoridades europeias, que procuram garantir que o consumidor pode depositar a sua confiança num produto com uma certificação green, o que também incentiva e pressiona as empresas no mercado a promoverem a sustentabilidade de forma mais aprofundada do que meras práticas de marketing, integrando assim no seu negócio princípios de sustentabilidade que correspondem às preocupações atuais dos consumidores.

Em conclusão, dada a sua vocação para a proteção da inovação e dos interesses dos consumidores, podemos afirmar que o Direito da Propriedade Industrial se assume, cada vez mais, como uma das áreas que mais podem ajudar no desenvolvimento sustentável, contribuindo para proteger o meio ambiente ao mesmo tempo que permite, apoia e promove o desenvolvimento científico e tecnológico.

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